O falso

Você escreveria,
com pedra carvão?
Você escreveria
a ponto de rabiscar
todas as paredes, as brancas
paredes de sua casa?

Rabiscando a ponto de atravessá-las?
A ponto de quando 
acabasse...
essa mesma pedra 
se encontrasse
tornada em diamante?

E, conseguindo, alugaria sua casa, 
o daria a alguém e partiria?
Para quê?


Para que esta
não possa ser mais
chamada de sua, 
casa.

Nem esse diamante 
em sua mão,
chamado sua,
pedra.

Para que algo tenha ficado pelo meio...
pelo meio do caminho,
e não seja casa, 
e não seja carvão nas paredes,
e não seja pedra pelo meio,
nem o meio da pedra,
mas brasa,
esse seu coração, 
transtornado.

E se com ele você acendesse,
o pavio,
e ele fosse correndo 
ser acesso até 
o encontro
de tudo,
até o encontro 

de nada,
e a brasa tivesse acendido bem próximo
da dinamite,

quem sabe?

alguém medisse 
à distância,
alguém desmedisse
a distância.


E se você 
explodisse?
onde e como estaria, 
coração?
Mas você, mentiu.

Você falsificou, tudo.
Você não escreve nas paredes,
Você não segura a pedra, aliás,
Você lança a pedra bem longe,
Você não quer sujar as mãos,
Você não sabe quanto vale, o carvão, 
Você só sabe de você, 
Você não sabe de você agora, nada. 

E ele se tornou, algo assim, duro;
E ele se tornou, secamente;
E ele se tornou, frio;
E ele se tornou, negro e pó;

Porém, você é o que importa agora...
você, olha, lá vem você de novo!
Dá licença,

Se importa?
não! - disse, às paredes.

E viram depois a fumaça,
apenas a fumaça,
nos dá algum sinal da direção.






Um comentário:

Edimarcio Medeiros disse...

“Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo? Porque nos faz felizes, como você escreve? Bom Deus, seríamos felizes precisamente se não tivéssemos livros e a espécie de livros que nos torna felizes é a espécie de livros que escreveríamos se a isso fôssemos obrigados. Mas nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre, que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para uma floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós. É nisso que eu creio.”

Franz Kafka, carta a Oscar Pollak, 1904

Certamente, Mi, vejo que você tem fogo...

Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 2.5 Brasil.